Célula Vermelha

Célula Vermelha
"Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira!" CHE

Mobilização na Paulista

Mobilização na Paulista
Integrantes da Célula na mobilização da Paulista

Mobilização na Av. Paulista

Mobilização na Av. Paulista
Cerca de 40 mil professores da rede Estadual de ensino tomaram à Av. Paulista nesta sexta dia 12/03/2010

sábado, 5 de março de 2011

Cruel. Vanglorioso. Banhado em sangue. E, agora, após mais de quatro décadas de terror e opressão, está de saída?

Por Robert Fisk

Então até mesmo a velha, paranóica e louca raposa da Líbia – o pálido e infantil ditador de bochechas caídas nascido em Sirte, dono de sua própria guarda pretoriana feminina, autor do absurdo Livro Verde, aquele que uma vez declarou que iria à reunião de cúpula do Movimento dos Países Não-Alinhados em Belgrado com seu cavalo de batalha - está caindo por terra. Ou já caiu. Na noite de segunda, 21, o homem que vi pela primeira vez há mais de três décadas saudando solenemente uma legião de homens-rã com uniformes pretos que marchavam pelo asfalto extremamente quente da Praça Verde em uma tórrida noite em Trípoli, durante um desfile militar de sete horas, pareceu, finalmente, estar em fuga, perseguido - como os ditadores da Tunísia e do Egito – por seu próprio povo em fúria.

As fotos do Youtube e do Facebook contaram a história com uma realidade embaçada; a fantasia transformou-se em fogo, delegacias de polícia em chamas em Benghazi e Trípoli, cadáveres e homens armados furiosos, uma mulher com uma pistola debruçando-se da porta de um carro, uma multidão de estudantes – seriam eles leitores de sua literatura? - quebrando uma réplica de concreto de seu medonho livro. Tiros, chamas e gritos ao celular, um epitáfio e tanto para um regime que todos nós, por vezes, apoiamos.

E aqui, apenas para focarmos nossa mente em um cérebro de desejo verdadeiramente excêntrico, segue uma história real. Há apenas alguns dias, enquanto o Coronel Muammar Khadafi enfrentava a ira de seu próprio povo, ele se reuniu com um antigo conhecido árabe e passou 20 minutos dentre quatro horas lhe perguntando se conhecia um bom cirurgião para fazer um lifting facial. Essa é – preciso dizê-lo em se tratando desse homem? – uma história real. O velho garoto não parecia bem, com o rosto abatido, inchado, simplesmente louco. Como um ator de comédia que havia se voltado para dramas reais em seus últimos dias, desesperado pela última obra da maquiadora, pelo chute final na porta do teatro.

Na ocasião, Saif al-Islam al-Khadafi, fiel substituto do pai, precisou representá-lo no palco enquanto Benghazi e Trípoli queimavam, ameaçando instaurar "o caos e uma guerra civil" caso os líbios não se acalmassem. “Esqueçam petróleo, esqueçam gasolina”, anunciou esse tolo abastado. “Haverá uma guerra civil”.

Acima da cabeça do filho querido na televisão estatal, um verde mediterrâneo pareceu esvair-se de seu cérebro. Um obituário e tanto, pensando bem, para quase 42 anos de governo Khadafi.
Não exatamente um Rei Lear, que dizia: “farei tais coisas - quais, ainda ignoro - que hão de ser o terror de toda a terra”. Assemelha-se mais a outro ditador em uma bunker diferente, convocando exércitos inexistentes para salvá-lo em sua capital, e, por fim, acusando o próprio povo de sua desgraça. Mas esqueçam Hitler, Khadafi fez sua própria carreira. Mickey Mouse e Profeta, Batman e Clark Gable, Anthony Quinn representando Omar Mukhtar em O Leão do Deserto, Nero e Mussolini (a versão da década de 1920), e, inevitavelmente – o maior ator de todos – Muammar Khadafi. Ele escreveu um livro – apropriadamente intitulado de acordo com suas infelizes circunstâncias atuais – chamado Escape to Hell and Other Stories (na tradução livre, em português, Fuga para o inferno e outras histórias) e estabeleceu uma solução de um só Estado para o conflito Israel-Palestina, que seria chamado de "Israeltina".

Pouco depois, ele expulsou do país metade dos palestinos residentes na Líbia, dizendo-lhes para marcharem para sua terra perdida. Saiu esbravejando da Liga Árabe, pois a considerou irrelevante – um breve momento de sanidade, temos que admitir – e chegou ao Cairo para uma reunião de cúpula, deliberadamente confundindo a porta do banheiro com a do salão da conferência. Foi, então, conduzido pelo Califa Mubarak, que tinha no semblante um sorriso tênue e sofredor.

E, se o que estivermos testemunhando for uma verdadeira revolução na Líbia, então, em breve, poderemos remexer nos arquivos de Trípoli – a não ser que aduladores da embaixada ocidental cheguem primeiro para a onda de saques graves e desesperados. Poderemos, ainda, ler a versão libanesa de Lockerbie e do atentado contra o voo 722 da UTA em 1989; do atentado contra uma discoteca em Berlim, pelo qual uma multidão de civis árabes e a filha adotiva de Khadafi morreram nos ataques de vingança dos Estados Unidos em 1986; do fornecimento de armas pelo IRA e do assassinato de oponentes dentro e fora do país, da morte de uma policial britânica, da invasão do Chade e dos acordos com magnatas britânicos do petróleo. E - ai de nós neste momento - da verdade por trás da grotesca deportação de al-Megrahi, o suposto responsável pelo ataque de Lockerbie, que estava muito doente para a condenação; e que pode, mesmo agora, revelar alguns segredos dos quais a Raposa da Líbia – juntamente com Gordon Brown e o procurador-geral da Escócia, pois são todos iguais no palco mundial de Khadafi – preferiria que não soubéssemos.

E quem sabe o que os arquivos do Livro Verde – por favor, ó rebeldes da Líbia, NÃO queimem esses documentos preciosos em vossa justa ira – nos dirão sobre a visita inerte de Lord Blair a esse horrendo velho homem. Uma figura podre cujos gestos de estadista (as palavras, certamente, vêm da velha fraude marxista chamada Jack Straw, de quando o autor de Escape to Hell prometeu entregar as quinquilharias nucleares que seus cientistas notavelmente fracassaram em transformar em uma bomba) permitiram que o próprio líder espiritual alegasse que, se não tivéssemos punido os saddamitas iraquianos com nossa ira justificada por suas armas de destruição em massa inexistentes, a Líbia também teria se unido ao Eixo do Mal.

Pena que Lord Blair desprezou o fator “camaleão” de Khadafi, a capacidade única de fazer-se passar por um homem são enquanto secretamente acredita ser uma lâmpada, como Omar Suleiman no Cairo. Poucos dias depois do aperto de mão de Blair, os sauditas acusaram Khadafi de conspiração para matar o aliado britânico Rei Abdullah, da Arábia Saudita. Os detalhes, aliás, eram terrivelmente convincentes. Mas por que a surpresa, se o homem mais temido e, agora, mais zombado e odiado por seu próprio povo, escreveu no supracitado Escape to Hell que a crucificação de Cristo foi uma mentira histórica e que – digo novamente, um débil fantasma da verdade muito raramente aparece nos desvarios de Khadafi – um “Quarto Reich” alemão estava dominando a Grã-Bretanha e os Estados Unidos? Ao refletir sobre a mortalidade em sua obra dramática, ele pergunta se a Morte é um homem ou uma mulher. Desnecessário dizer que o líder da Grande Jamairia Árabe Popular Socialista da Líbia pareceu pender para a última opção.

Como em todas as histórias do Oriente Médio, uma narrativa histórica precede o espetáculo dramático da queda de Khadafi. Por décadas, seus oponentes tentaram matá-lo e despontaram como nacionalistas, prisioneiros em suas câmaras de tortura e islamitas nas ruas – sim! – de Benghazi. E ele derrotou a todos. De fato, essa cidade venerável já havia atingido seu estado de martírio em 1979, quando Khadafi enforcou publicamente estudantes dissidentes na praça principal de Benghazi. Isso sem mencionar o desaparecimento do defensor dos direitos humanos líbio Mansour al-Kikhiya, que participava de uma conferência no Cairo e criticou a execução de presos políticos por Khadafi. É importante lembrar que, há 42 anos, o ministério das relações exteriores britânico acolheu o golpe de Khadafi contra o decadente e corrupto Rei Idris, pois, disseram os mandarins coloniais, que seria melhor ter um coronel novo em folha encarregado de um governo petrolífero do que relíquias do imperialismo. Realmente, eles exibiram quase tanto entusiasmo quanto o que demonstraram para esse déspota decadente quando Lord Blair chegou a Trípoli décadas depois para a imposição das mãos (prática religiosa).

Como o grupo de oposição da Líbia disse anos atrás – não nos importávamos com essas pessoas na época, claro - "Khadafi queria nos fazer crer estar na vanguarda de cada desenvolvimento humano que surgiu durante toda a sua vida".

Tudo verdade, se reduzirmos a uma farsa sub-Shakesperiana. Meu reino por um lifting facial. Naquela conferência dos Não-Alinhados em Belgrado, Khadafi até levou um avião cheio de camelos para abastecê-lo de leite fresco. Mas não permitiram que ele fosse com seu cavalo de batalha. Tito cuidou disso. Havia, então, um verdadeiro ditador.

* Texto publicado originalmente no The Independent / Tradução: Mariana Abbate

Nenhum comentário: